Deveria ter postado esse texto na época que o Instituto
Royal foi INVADIDO por vândalos (não tenho outra expressão melhor no momento),
mas enfim, ainda está em tempo, já que existem outros centros de pesquisa que
realizam experimentos em animais espalhados pelo mundo afora. Parte da pesquisa
(e do investimento!) científica brasileira para fabricação de medicamentos foi
pelo ralo... Longo, mas vale à pena ler o texto a seguir:
Um velho ditado afirma que "o pior cego é aquele que
não quer enxergar". Outro, menos antigo, prega que "se conhecimento,
dados precisos e bons argumentos convencessem alguém, nenhum médico seria
fumante". Cada vez mais me convenço da verdade contida em ambos ditados.
As pessoas, quando não querem ser convencidas de algo, não há gênio, pedagogo
ou mestre espiritual que as convença que a verdade que elas enxergam não é, de
fato, a verdade absoluta.
Um caso clássico do que acabo de afirmar é a posição
ortodoxa, radical e obscurantista de certos grupos ligados à defesa dos
direitos animais no que diz respeito ao uso de animais em pesquisa científica.
Defendem mitos como se fossem verdades inquestionáveis, informações imprecisas
e, em alguns casos, fantasiosas como se fossem fatos científicos e satanizam a
Ciência e os cientistas como se fossem, em sua maioria, pessoas malignas,
perversas e mal intencionadas. Será que essa visão linear e obtusa é realmente
a verdade?
Desrespeitando minha crença de que não adianta
"gastar o meu latim" com quem não quer ser convencido, e na esperança
de que pessoas equilibradas e sensatas, sem opinião formada ou dispostas, ao
menos, a considerar a opinião oposta antes de tirarem conclusões, possam enxergar
a real dimensão e a complexidade do tema, decidi me aventurar a escrever aqui
sobre esse polêmico assunto. Sei que estou me arriscando a ser xingado,
execrado e quem sabe sofrer até atentados, como foi o caso recente de uma
ilustre cientista durante uma discussão sobre o tema na reunião da SBPC, que
foi alvejada com tinta vermelha por "zooterroristas" que se dizem
defensores de direitos animais. Mas acho que vale a pena o risco...
Para iniciar, vamos tentar derrubar alguns mitos. O
primeiro grande mito é o argumento que se faz experimentos com animais por ser
mais barato e/ou mais fácil do que fazê-lo in vitro (em tubo de ensaio). Quem
afirma isso não deve ter a mínima noção do grande gasto de tempo, pessoal,
espaço e trabalho que demanda manter um biotério. Os animais comem, bebem,
precisam ser medicados, são mantidos em condições da alta higiene (quando não
de esterilidade absoluta), temperatura e luminosidade controlada e demandam a
atenção de tratadores e veterinários, tudo a um custo bastante elevado.
Totalizando o custo final de tudo que envolve a criação de um camundongo, ou
outro animal experimental, e comparando isso com os custos de se trabalhar in
vitro com linhagens celulares em cultura, facilmente se percebe que é muito
mais barato trabalhar in vitro. Experimentos in vitro são inclusive, em sua
maioria, mais simples e mais reprodutíveis, mas, infelizmente, não trazem
respostas claras com relação à grande maioria dos fenômenos fisiológicos
complexos.
Outro grande mito é a crença que existem métodos
alternativos que substituem perfeitamente os experimentos com animais. Se isso
fosse verdade, eu seria o primeiro a utilizá-los e tenho certeza que a grande
maioria de meus colegas também assim o fariam, até porque, como afirmei acima,
seria mais simples e mais barato. Nesse caso, vou contra-argumentar com algumas
perguntas: me expliquem, por favor, como eu poderia simular in vitro o sistema
circulatório com todos seus componentes, celulares e biofísicos, para fazer
testes de drogas contra a hipertensão arterial? Qual protocolo experimental eu
poderia usar para simular ansiedade ou depressão e testar medicamentos contra
esses males, utilizando apenas células em um tubo? Como eu faria para testar in
vitro o efeito de uma droga na perda de memória? Poderiam me explicar também
como se faz para descobrir se um produto é bom contra diarréia usando células
em um tubo de ensaio? Qualquer pessoa sensata e com o mínimo de conhecimento,
em vista dos poucos exemplos que citei aqui, percebe que a coisa não é tão simples
como pregam o "zooxiitas" de plantão.
Outro argumento comumente utilizado é que o organismo de
outros animais é diferente do humano e os testes em animais são, portanto, sem
sentido. Usam aí uma meia-verdade, tentando torná-la uma verdade absoluta. É preciso
sim ter cuidado ao se interpretar dados obtidos com experimentação animal,
respeitando as diferenças interespecíficas. Em muitos casos não se reproduz um
fenômeno biológico em organismos de espécies distintas, mas em espécies
próximas evolutivamente há, em sua maioria, grandes semelhanças que permitem
tirar conclusões preciosas e relevantes. Se fosse, realmente, tão diferente, a
ponto de ser impossível se extrapolar para o ser humano o dado obtido em
experimentação animal, a Ciência já teria abandonado tal prática, pois seria um
esforço inútil e um gasto de recursos, técnicos, financeiros e humanos sem
justificativa.
Além disso, alguém realmente acha que grandes
laboratórios multinacionais (que em sua maioria visam muito mais o lucro do que
o lado humanitário) iriam gastar milhões de dólares em testes de drogas em
animais, se isso não trouxesse nenhum dado confiável? Seriam os diretores
dessas companhias insanos, sádicos ou irresponsáveis? Faz sentido jogar
dinheiro no ralo assim? O fato é: os testes de drogas em animais reduzem ao
extremo os riscos para o ser humano e para outros animais, tendo em vista que,
das drogas adotadas no tratamento de seres humanas, a maioria também é
utilizada para fins veterinários.
Alguns dizem: "testem diretamente em humanos".
Aí eu pergunto: você se ofereceria como voluntário para testar se uma droga é
boa contra um problema cardíaco, sabendo que se ela falhar ou piorar a sua
situação poderia levar à sua morte? Aceitaria uma droga sem ter a mínima noção
(pela ausência de testes em outros animais) do tipo de efeitos colaterais ela
pode causar e sua real eficácia? Daria a um bebê com diarréia severa um
medicamento que nunca foi testado, cruzando os dedos para ele funcionar, se não
a criança pode morrer de desidratação, isso sem ter a menor pista dos seus
efeitos em outros mamíferos? Você realmente acha menos hediondo utilizar seres
humanos como cobaias do que animais, criados especificamente para esse fim?
Você concorda com a opinião de certas pessoas que acham que se deve utilizar
presidiários como cobaias humanas?
Aliás, a "turminha legal" dos "porões da
ditadura" ia adorar fazer isso com os "subversivos" que eles
prendiam e torturavam aos milhares, nas décadas de 60 e 70 do século passado...
O fato é: não se pode abrir o precedente autorizando experimentação humana sob
o risco de se institucionalizar atrocidades e banalizar ainda mais o valor da
vida humana. Mas, caso os defensores árduos dos direitos animais insistam em
defender essa tese (que fere os direitos humanos, o que, aparentemente para os
"zooxiitas" importa menos que os direitos animais), sugiro que, sendo
coerentes com essa idéia, sejam todos voluntários para tais testes, incluindo
seus filhos e outros parentes na lista também.
Outro mito: "os cientistas são pessoas malignas que
sentem prazer em torturar animais". Alguém em sã consciência acha que Dr.
Louis Pasteur era um sádico torturador de animaizinhos indefesos, por mero
prazer, em experimentos sem sentido? Seria o Dr. Carlos Chagas um homem maligno
que tinha prazer de sacrificar insetos inocentes, por matar barbeiros em suas
pesquisas? Seria um criminoso o Dr. Albert Sabin, que desenvolveu a vacina
contra a poliomielite, tendo em vista que sua vacina foi testada antes em
macacos e só depois liberada para vacinação humana? Sim, porque segundo o ponto
de vista dos radicais defensores dos animais, esses e milhares de outros
pesquisadores não passam de psicopatas assassinos. Para eles, por exemplo,
testar a vacina Sabin em algumas dezenas de macacos não se justifica, mesmo
tendo essa vacina evitado que milhões de pessoas contraíssem pólio e ficassem
aleijadas pelo resto da vida. Se assim eles pensam, eu, humildemente, me
reservo ao direito de discordar.
O que acho intrigante é o seguinte: estariam esses
"zooxiitas" defendendo o direito à vida das baratas? E os mosquitos,
inclusive os da dengue, estão na sua lista de animais a serem defendidos?
Seriam defensores dos cupins? Estariam os barbeiros (que transmitem a Doença de
Chagas) entre seus alvos de proteção? Estariam tão interessados em defender uma
ratazana malcheirosa que entra em sua casa pelo ralo, quanto um ratinho
bonitinho, branquinho criado em um biotério científico? Achariam também
importante defender pulgas, carrapatos e piolhos? Pensam ser uma atrocidade usar
um vermífugo para matar uma solitária (Taenia solium) que parasita uma criança?
Sim, porque todos exemplos que citei acima são, também, animais e deveriam ser
defendidos, da mesma forma e com o mesmo afinco! Ou será que só entram nessa
lista os camundonguinhos, ratinhos, ramsterzinhos, coelhinhos, porquinhos,
cachorrinhos, gatinhos e macaquinhos fofinhos?
Para aqueles que não são vegetarianos, então, não existe
a menor forma de sustentar sua posição pró-animais, tendo em vista promoverem
uma imensa matança de animais para se alimentarem. A propósito: eu sou
vegetariano.
É sinal de profunda ignorância e/ou leviandade colocar
experimentação científica séria, voltada para a saúde da humanidade, no mesmo
saco que: touradas, Farra do Boi, criação de gansos para fazer patê de foie
gras, caça "esportiva" de animais ou para extrair peles para casaco
de madames fúteis, tráfico de animais, rodeios, exploração de animais em
circos, criação de animais imobilizados para se obter "baby beef",
briga de galos cachorros e outros animais, espancamento ou manutenção em
condições precárias de animais domésticos e, até mesmo, uso de animais para
testar cosméticos (todos procedimentos que sou absolutamente contra).
A verdade, ao meu ver, é que a experimentação animal é um
mal necessário. Não existe forma satisfatória de substituir o uso animal em
pesquisas sem interromper estudos fundamentais para o futuro da humanidade e
para saúde e sobrevivência do ser humano. O que pode, deve e já está sendo
feito, não só no Brasil, mas mundialmente, é regulamentar, fiscalizar e
conscientizar as pessoas que fazem esse tipo de pesquisa, para utilizarem o
mínimo necessário de animais, reduzir ao máximo qualquer sofrimento causado a
eles e principalmente avaliar profundamente a real relevância dos projetos de
pesquisa para a humanidade. A criação, nas últimas décadas, de comitês de ética
em experimentação animal, em todas grandes instituições de pesquisa do país, e
a aprovação recente da Lei Arouca, são exemplos de que o esforço está sendo
feito.
Agora, jogar tinta e ameaçar pesquisadores, invadir
laboratórios (arriscando inclusive a se contaminar e gerar contaminação para
terceiros) ou qualquer ato similar de terrorismo são atitudes de quem não tem
capacidade de argumentar. A violência é o caminho que escolhem os indivíduos
sem força moral, intelectual e espiritual para aceitar a diferença de opinião
alheia. Esse tipo de atitude é algo patético, irresponsável e que denota falta
de caráter. Discordar é um direito sagrado que cada um de nós tem. Entretanto,
querer obrigar as pessoas a pensar e agir como nós achamos que devem fazê-lo e
tentar coagi-las e amedronta-las para que assim o façam, é o tipo de atitude
que tiveram os mentores de diversas ditaduras, inclusive aqui no Brasil, e o
caminho escolhido pelo Sr. Adolph Hitler para "salvar" o seu país. Se
esse é o caminho que os zooxiitas preferem, só lamento. Eu prefiro parafrasear
Voltaire: "Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei
até a morte vosso direito de dizê-lo".
Se o leitor, após ler o que escrevi, ainda discorda de
minha argumentação, respeito totalmente sua opinião, apenas peço coerência. Se
não és vegetariano, torne-se imediatamente. Pare então de usar tudo que foi
testado em animais: medicamentos alopáticos estão todos fora de cogitação,
inclusive anestésicos. Deves fazer qualquer procedimento cirúrgico sem
anestesia. Aliás, pensando bem, a maioria dos procedimentos cirúrgicos atuais
ainda foram testados em animais, ou derivam de outros que assim o foram. Ou
seja, a grande maioria deles estaria fora de sua lista de itens
"zôo-corretos", inclusive nada de ir ao dentista.
Não mate, por nenhum meio, em sua casa ou na rua: baratas
(é totalmente absurdo tirar a vida de um animal só porque tem medo ou nojo
dele!), aranhas, pulgas, carrapatos (deixe seu cão e seu gato cheios desses
bichinhos lindos), piolhos (sim, se seu filho tiver piolhos, nada de matar os
pobres animais, deixe a cabeça do menino virar uma colônia de piolhinhos
felizes), lacraias, formigas, cupins, (se der cupim no seu guarda-roupa,
alegre-se por hospedar animaizinhos tão fascinantes em sua casa), ratos (deixe
um queijinho para aquelas ratazanas de estimação que visitarem sua cozinha e
trate-as com carinho), mosquitos (nada de matar o mosquito da dengue, deves fazer
campanha contra esse absurdo!) e ácaros (não desinfete o chão de sua casa, não
limpe camas e sofás nem lave sua roupa, para não matar os pobres ácaros). Se
lagartas, formigas, pulgões, cochonilhas ou lesmas atacarem seu jardim,
paciência, a natureza é assim, deixe os animais se alimentarem em paz.
Nunca dê vermífugos para seus filhos e animais de
estimação, vermes também são animais e merecem proteção. Se fores um dia picado
por uma cobra, jamais use soro antiofídico, além de ser obtido de veneno tirado
contra a vontade de cobras mantidas em cativeiro, ainda por cima é injetado em
pobres cavalos, que depois têm seu sangue coletado para extrair o soro. Nada de
se vacinar, vacinas são testadas em animais antes de serem liberadas para uso
humano. Nunca ande de avião, essas naves malignas matam aves por acidente com
freqüência. Aliás, trens e carros também matam insetos no pára-brisa e
atropelam animais que por acidente cruzem suas vias, nada de usar esses
transportes, nem nada que tenha sido transportado por eles. Creio que com todas
essas medidas simples você estará sendo totalmente zoocorreto. Aí, se quiser
fazer um "upgrade" para zooxiita, basta passar a atacar cientistas e
invadir laboratórios."
Octávio Menezes de Lima Junior, Doutor em Biologia
Celular e Molecular
Que Deus abençoe a todos :)